quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Entrevista com Sri K. Pattabhi Jois: a prática conduz à perfeição.

Alegria no rosto, olhos luminosos, um corpo saudável – estas são as características de um yogin, de acordo com o Hatha Yoga Pradipika, um dos textos sânscritos clássicos sobre Hatha Yoga. Tal descrição combina com K. Pattabhi Jois, que, aos 78 anos, tem a coluna reta e o rosto suave de um homem muito mais jovem. De riso fácil, é com um sorriso no rosto que ele entra em um estúdio novaiorquino e pergunta se eu gostaria de fazer yoga com ele. De acordo com o Pradipika, hatha yoga é ensinado para que se alcance o raja yoga, também conhecido como ashtanga yoga, o caminho completo, de oito membros, para a auto-realização, mas cuja ênfase na importância de se obter a perfeição nas posturas e na respiração como um meio de se chegar aos outros membros é menor e menos clara do que a de Pattabhi Jois.

Nascido em 1915 no sul da Índia, Krishna Pattabhi Jois conheceu seu guru, Krishnamacharya, que também foi professor de B. K. Iyengar, quando ainda era um garoto. Pattabhi ensina yoga desde 1937, e alunos do mundo inteiro vêm estudar com ele em sua casa em Mysore, na Índia. Ele esteve nos Estados Unidos diversas vezes, e ainda que esta seja a sua primeira visita a Nova York, a maioria dos estudantes nesta classe matutina parece conhecer a seqüência que ele ensina.

Está quente. As janelas estão fechadas e o ar já úmido se espessa com a intensa respiração de 35 corpos com suor abundante. Os estudantes respiram ruidosamente. Para alguns, a seqüência parece se desenvolver sem esforço, mas ainda assim seus corpos reluzem com o suor. Jois está sempre encorajando – uma mão aqui, um pé ali, uma brincadeira no exato momento em que uma certa descontração se torna necessária. Ele comanda a seqüência das posturas com voz forte, usando os nomes em sânscrito.

Não há preguiça aqui: apenas trabalho intenso e determinado, e a graça que nasce da combinação entre força e flexibilidade. A classe passa de uma postura para outra com fluidez, parando apenas no estado de cada postura, e ligando uma a outra com uma seqüência de flexões da coluna derivada da saudação ao Sol e coordenada com a respiração. “Expire, chatvari, chaturanga dandasana, inspire, pancha, urdhva mukha svanasana.” Jois impõe disciplina, temperada com um humor gentil e afetuoso, ao instigar seus alunos, verbalmente e fisicamente, a chegar onde eles provavelmente não sabiam ser capazes de chegar. E, como se a persuasão, a energia na sala e o esforço de todos não fosse suficiente, há o calor. Apesar dos mats, há pouquíssimos pontos secos pelo chão de madeira totalmente ocupado pelos praticantes ao fim da sessão de duas horas. A seqüência de posturas fluindo continuamente é própria para atiçar uma espécie de “fogo” purificador – para limpar os sistemas nervoso e circulatório por meio de disciplina e do bom e velho suor. “Practice, practice, practice”, diz Jois um pouco depois, dirigindo-se a um pequeno grupo de alunos reunidos em um loft no Soho. Ele fala longamente sobre o método que utiliza, enfatizando que não acrescentou nada de novo aos ensinamentos originais de seu professor e do Yoga Sutra.

Onde o senhor aprendeu yoga?

De meu guru, Krishnamacharya. Comecei a estudar com ele em 1927, quando eu tinha 12 anos. Primeiro ele me ensinou asana e pranayama. Mais tarde eu estudei sânscrito e filosofia advaita na Universidade de Sânscrito em Mysore, onde comecei a ensinar yoga em 1937. Tornei-me professor e ensinei sânscrito e filosofia nessa universidade por 36 anos. A primeira vez que dei aulas nos Estados Unidos foi em Encinitas, na Califórnia, em 1975. Atualmente tenho percorrido todo o país. Me disponho a ensinar a qualquer pessoa que queira de verdade aprender o método de yoga perfeito – ashtanga yoga – exatamente como o meu guru me ensinou.

O senhor também ensina sânscrito aos seus alunos ocidentais?

Não, apenas asana e pranayama. Você precisa do sânscrito para compreender o método do yoga, mas a maioria das pessoas, ainda que queiram aprender sânscrito, dizem que não tem tempo. É muito importante aprender a filosofia do yoga: sem a filosofia, a prática não é boa, ao mesmo tempo que a prática do yoga é o ponto de partida para a filosofia do yoga. Mesclar as duas é de fato o melhor.

Que método o senhor usa para ensinar asana e pranayama?

Eu ensino somente ashtanga yoga, o método original indicado no Yoga Sutra de Patañjali. Ashtanga significa yoga de “oito passos”: yama, niyama, asana, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana, samadhi. O Yoga Sutra diz: “Tasmin sati svasa prasvasayor gati vicchedah pranayamah” (II.49). Primeiro você torna asana perfeito, depois pratica pranayama: você deve controlar a inspiração e a expiração, regular a sua respiração, reter e manter a respiração. Depois que asana se tornou perfeito, então pranayama pode sê-lo. Este é o método do yoga.

O que é tornar asana perfeito? Como o senhor faz para torná-lo perfeito?

“Sthira sukham asanam” (YS II.46). A perfeição em asana significa você poder ficar sentado por três horas com estabilidade e alegria, sem qualquer impedimento. E, depois que você desfaz a posição das pernas do asana, o corpo permanece feliz. No método que eu ensino, há muitos asanas, e eles trabalham com a circulação do sangue, com o sistema de respiração e com a focalização do olhar (para desenvolver concentração). Neste método você precisa estar completamente flexível e manter as três partes do corpo – cabeça, pescoço e tronco – em uma linha reta. Se a coluna se dobra, o sistema de respiração é afetado. Se você quer praticar o sistema de respiração correto, deve ter a coluna reta.

A partir do muladhara (o chakra da base da coluna), nascem os 72.000 nadis (canais através dos quais o prana é conduzido pelo corpo sutil). O sistema nervoso se desenvolve a partir dele. Todos esses nadis estão "poluídos" e precisam ser limpos. Com o método do yoga, você utiliza os asanas e o sistema de respiração para limpar os nadis diariamente. Você purifica os nadis ao sentar-se com a postura correta e ao praticar todos os dias, inspirando e expirando, até que finalmente, depois de muito tempo, todo o seu corpo está fortalecido e o seu sistema nervoso foi perfeitamente curado. Quando o sistema nervoso está perfeito, o corpo é forte. Uma vez que todos os nadis tenham sido desobstruídos, o prana adentra pelo canal central, chamado sushumna. Para que isso aconteça, você deve controlar o ânus completamente. Você deve com toda a atenção praticar os bandhas – mulabandha, uddiyana bandha e jalandhara bandha – durante a prática de asana e pranayama. Se você praticar o método que eu ensino, automaticamente os bandhas virão. Este é o ensinamento original, o método de ashtanga yoga. Eu não acrescentei absolutamente nada. Quanto a estes ensinamentos modernos, eu não sei... sou um homem velho!

Este método exige bastante fisicamente. Como você faz para ensinar alguém que não está em boa forma física?

Não é impossível trabalhar com este método para quem não está em boa forma. Os textos sobre o yoga dizem que a prática deixa o yogin magro, mas forte como um elefante. Você passa a ter um rosto yogue. Um rosto yogue é sempre um rosto sorridente. Isto significa que você escuta o “nada”, o som interno, e que seus olhos estão claros. Assim você pode ver com clareza e controla o bindu (a energia vital, às vezes interpretada como energia sexual). O fogo interno se desenvolve e o corpo se vê livre de doenças.

Há três tipos de doença: doenças do corpo, doenças da mente e doenças do sistema nervoso. Quando a mente está doente, o corpo todo fica doente. As escrituras do yoga dizem: “Manayeva manushanam karanam bandha mokshayoho”, a mente é a causa tanto da prisão como da libertação. Se a mente está doente e triste, o corpo inteiro adoece, e tudo termina. Por isso, primeiro você deve medicar a mente. Medicina para a mente – é isto que é o yoga.

O que seria exatamente uma medicina para a mente?

A prática do yoga e o correto sistema de respiração. Pratique, pratique e pratique. É isto. Pratique até que o seu sistema nervoso esteja perfeito e a circulação sangüínea esteja boa, o que é muito importante. Com uma boa circulação sangüínea, você não tem problemas de coração. Controlar o bindu, não debilitar o seu bindu, é também muito importante. Uma pessoa está viva porque contém dentro de si o bindu; quando o bindu está completamente esgotado, você é um homem morto. É o que dizem as escrituras. Ao praticar diariamente, o sangue vai se purificando, e a mente aos poucos fica sob o seu controle. Este é o método do yoga. “Yoga chitta vritti nirodhah” (YS I.2). Significa que o yoga é o controle sobre as modificações da mente.

Estamos conversando bastante sobre a prática do yoga na forma de asana e pranayama. Qual a importância dos primeiros dois membros do ashtanga yoga, os yamas e niyamas?
Eles são muito difíceis. Se você tem uma mente fraca e um corpo fraco, você tem princípios igualmente fracos. Os yamas têm cinco sub-membros: ahimsa (não-violência), satya (veracidade), asteya (não roubar), brahmacharya (continência) e aparigraha (não-possessividade). Ahimsa é impossível, e mesmo dizer a verdade é muito difícil. As escrituras dizem para falar a verdade que for doce e não falar uma verdade que machuque. Mas dizem também para não mentir, não importa quão doce soe. Muito difícil. Você deve dizer apenas a verdade doce porque aquele que fala uma verdade desagradável acaba morto.

Assim, uma mente fraca significa um corpo fraco. É por isso que você constrói uma boa fundação com asana e pranayama, de maneira que o seu corpo, mente e o sistema nervoso estejam todos trabalhando; então você trabalha sobre ahimsa, satya e os demais yamas e niyamas.

E quanto aos outros membros do ashtanga yoga? O senhor ensina algum método de meditação?

Meditação é dhyana, o sétimo passo no sistema ashtanga. Depois que um passo está perfeito, você dá o próximo. Para dhyana, você deve se sentar com a coluna reta, os olhos fechados e focados na ligação entre as narinas. Se você não consegue fazer isso, você não está centrado. Se os olhos abrem e fecham, o mesmo faz a mente.

Yoga é 95% prático. Apenas 5% é teoria. Sem prática, o yoga não funciona, não há qualquer benefício. Por isso você deve praticar, seguindo o método correto e todos os passos, um por um. Assim o yoga é possível.

O termo vinyasa é usado para descrever o que o senhor ensina. O que ele significa?

Vinyasa significa “sistema de respiração”. Sem vinyasa, não pratique asana. Quando vinyasa está perfeito, a mente está sob controle. Isto é o principal – controlar a mente. É o método descrito por Patañjali. As escrituras dizem que prana e apana são equalizados ao se manter a relação de inspiração e expiração igual, e ao se acompanhar com a mente a respiração nas narinas. Se você praticar desse modo, aos poucos a mente se coloca sob controle.

O senhor também ensina pranayama nas posturas sentadas?

Sim. Quando padmasana (a postura sentada de lótus) está perfeita, então você está controlando o seu ânus com mulabandha e também utiliza o fecho do queixo, jalandarabandha. Existem muitos tipos de pranayama, mas o mais importante de todos é kevala kumbhaka, quando as flutuações da respiração – a inspiração e a expiração – são controladas e param automaticamente. Para chegar a isso você deve praticar. Pratique, pratique e pratique. Quando você pratica, novos caminhos do pensar, novos pensamentos, acontecem na sua mente. Palestras soam bem; você dá uma boa palestra e todos falam que você é o máximo. Mas palestras são 99% não práticas. Por muitos anos você deve praticar asana e pranayama. As escrituras dizem: “Praticar por um longo período com respeito e sem interrupção conduz à perfeição”. Um ano, dois anos, dez anos... a sua vida inteira, você deve praticar.

Depois que asana e pranayama estão perfeitos, pratyahara, controle dos sentidos (o quinto membro do ashtanga yoga), vem. Os primeiros quatro membros são exercícios externos: yama, niyama, asana, pranayama. Os quatro restantes são internos, e eles automaticamente se seguem quando os quatro primeiros foram perfeitamente aprendidos. Pratyahara significa que para onde quer que você olhe, você vê Deus. Um bom controle da mente traz esta capacidade, de modo que quando você olha, tudo o que você vê é Atman (o Si-Mesmo). Então para você o mundo está coloreado por Deus. Tudo aquilo que você vê, você identifica com o seu Atman. As escrituras dizem que a verdadeira mente yogue está tão absorvida nos pés de lótus do Senhor que nada a distrai, não importa o que aconteça no mundo externo.

Qual a sua recomendação final para aqueles que têm vontade de seguir o yoga?

Yoga é possível para todo aquele que realmente quiser. Yoga é universal. O yoga não é meu. Mas não se aproxime do yoga com uma mente em busca de bons negócios, interessada em ganhos do mundo. Se você quer estar próximo de Deus, volte a sua mente para Deus e pratique o yoga. Como dizem as escrituras, “sem a prática do yoga, como pode o conhecimento conferir moksha (libertação) a você?”.

Por Sandra Anderson (entrevista originalmente publicada em 1994).
Sandra Anderson é editora-colaboradora para a Yoga International.
Trad. F. Furtado